Ler a Morte

Março e Abril assinalam não só o retorno da Primavera, mas também a morte: os chineses comemoram os seus antepassados durante o Festival Ching Ming, enquanto os ocidentais glorificam a ressurreição de Jesus Cristo, que se sacrificou em nome da humanidade, durante a Páscoa.

São inúmeras as obras literárias sobre a morte, sendo a descrição poética desta uma abordagem bastante popular. No entanto, a referência à morte na vida diária é evitada. Por exemplo, em cantonense, existem diferentes expressões que denotam o fim da vida, mas raramente se emprega o termo “morrer”. Os pacientes entram nos hospitais através da entrada principal, mas os carros funerários saem pelas traseiras. Nos noticiários, assistimos a todo o tipo de catástrofes, mas preferimos
acreditar que a morte está muito longe de nós.

A educação para a vida e a morte tem prevalecido no mundo ocidental, no Japão e em Taiwan, mas é ainda incipiente em Macau e Hong Kong. Nós olhamos directamente para a morte sem pessimismo: ela prepara–nos para o destino inevitável da vida. A ideia de Confúcio de que “a morte não pode ser
compreendida antes de compreendermos a vida” não é necessariamente verdadeira: aqueles que entendem a morte aprendem a usufruir do presente. Nesta edição, iremos assim apresentar alguns livros dedicados ao tema da morte.

A Morte em Hong Kong

Este livro, da autoria de Leila Chan, uma jornalista independente de Hong Kong, não só deve ser lido pelo menos uma vez, como também deve ser adquirido e guardado na nossa biblioteca pessoal. É como um manual de instruções que inclui muita informação sobre a morte, como por exemplo: os pacientes com cancro não têm necessariamente de passar por um tormento durante o tratamento de quimioterapia; o nosso funeral pode ser preparado enquanto ainda estamos vivos; e a exigência de auto–contenção do sofrimento pode prejudicar aqueles que perderam um ente querido. O livro apresenta inclusive, em detalhe, o sermão usado nas cerimónias fúnebres taoistas.

O livro é composto por dois volumes. O primeiro volume, Caixões, apresenta informação acessível sobre a indústria funerária de Hong Kong, baseada em entrevistas a membros da mesma, bem como a académicos e líderes religiosos.

Dedicado aos enlutados, o segundo volume do livro, Lágrimas, apresenta entrevistas a pessoal de saúde, assistentes sociais e enlutados, com vista a aferir a inadequação dos cuidados de saúde e do sistema de assistência social. A doença e a morte acompanham o envelhecimento e este livro prepara–nos para os desafios que nos esperam.

Os três autores entrevistaram vários proprietários de lojas de caixões, funerárias e lojas de jinzhi (papel para fins funerários), tendo ainda visitado morgues e cemitérios, com vista a realizar, durante o período de um ano, este trabalho pioneiro no âmbito da educação para a vida e a morte em Hong Kong. Leila Chan espera que este livro possa servir como ponto de partida para toda a campanha, e que a população de Hong Kong possa, por fim, não apenas viver bem, como também morrer bem. A reforma da indústria funerária de Macau tem ainda um longo caminho a percorrer, pelo que deixamos aqui os nossos votos de que a educação para a vida e a morte possa vir a ser igualmente promovida na Região.

Data de Publicação:2013

Data de Publicação:2013

Os Últimos Momentos

No auge da sua carreira, o presidente de uma empresa de contabilidade bem conhecida descobre ter contraído uma doença terminal aos 53 anos de idade.

A sua saúde deteriora–se, ao que acresce a perda de cabelo e a diminuição da acuidade visual. Até o seu smartphone, que o ajudou a lidar com múltiplos assuntos profissionais, se torna um fardo devido à rigidez dos seus dedos. O doente insiste que não quer continuar a prolongar a sua vida com quimioterapia e que prefere esperar tranquilamente pela morte. O livro narra a última parte da sua jornada de vida.

Este magnata, o qual antes havia administrado uma empresa considerável, decide então gerir os seus restantes 100 dias com base na sabedoria dos negócios.

Antes de mais, compõe uma lista de coisas que gostaria de fazer: passar tempo com a sua esposa e filha, despedir–se, um por um, dos seus familiares, amigos e colegas, organizar o seu próprio funeral, etc. Às portas da morte, ele descobre que mal tinha vivido. Apenas vivendo no presente se pode sentir satisfação com o que se tem.

O escritor recorda que o momento mais feliz da sua vida era a perseguição da luz do dia que ao entardecer se desvanecia quando estava no campo de golfe com a sua esposa. O último capítulo do livro é o epílogo que sua esposa redigiu após a sua morte, contando aos leitores que o seu marido permaneceu consciente mesmo nas alturas de maior fraqueza da sua vida. Os seus últimos momentos inspiram–nos a todos, permitindo–nos experienciar a beleza da vida.

Os Últimos Momentos

Data de Publicação:2006

Chasing Daylight: How My Forthcoming Death Transformed My Life

▸ Chasing Daylight: How My Forthcoming Death Transformed My Life

Autor:Eugene O’Kelly

Editora:McGraw–Hill Education

Data de Publicação:2008

Perspectiva Médica

A obra mais vendida da autoria do célebre cirurgião indo–americano Atul Gawande critica a falta de humanidade na ciência médica contemporânea: um indivíduo com uma doença terminal foi impelido a viver à força por um médico; a morte de um outro paciente que não queria continuar a viver foi adiada por meio de equipamento médico. A formação médica moderna fornece aos médicos uma série de técnicas que se focam na cura, mas é incapaz de assegurar uma morte tranquila aos pacientes. Gawande estava determinado a encontrar um novo caminho, em que a ciência médica pudesse deixar de ser uma disciplina hostil.

Gawande possui anos de experiência prática no âmbito da medicina, tendo testemunhado a “tortura” de muitos pacientes. O seu pai, também ele médico ocidental, o qual desejou receber apenas cuidados paliativos devido à sua tradição indiana, teve uma morte tranquila em casa. Gawande compilou estas experiências, bem como várias entrevistas em hospitais e lares de idosos, a fim de abordar a
necessidade dos pacientes em reconsiderarem as limitações do tratamento médico moderno em face da morte.

De acordo com o autor, os pacientes à beira da morte poderiam recuperar melhor através de uma abordagem vitalizante: idosos esperam em fila para passear os cães do lar de idosos; uma grande árvore é plantada no jardim, na esperança de que os pacientes possam escutar o gorjeio dos pássaros quando acordam. A ciência médica contemporânea, quando confrontada com a morte, visa meramente prolongar a vida – mas tal abordagem gera ainda mais agonia nos pacientes. Para Gawande, o principal
imperativo dos médicos é preservar a qualidade de vida dos pacientes até à sua morte.

Data de Publicação:2015

Being Mortal: Medicine and What Matters in the End

▸ Being Mortal: Medicine and What Matters in the End

Autor:Atul Gawande

Editora:Metropolitan Books

Data de Publicação:2014

Diários de um Agente Funerário

A pintura de Edvard Munch Ao Pé do Leito da Morte capta o último momento de vida da sua irmã mais nova, imperando uma aura de desespero. A obra encontra-se patente no Munch Museum (Munchmuseet), na Noruega (publicação autorizada).

O filme japonês A Partida (Okuribito) é uma adaptação de uma história da vida real que conta a história de Shinmon Aoki, o qual, após uma carreira falhada como poeta, começou a ganhar a vida como agente funerário, permanecendo nesta profissão ao longo de três décadas. Aoki desenvolve uma percepção
distinta da vida e da morte, tendo organizado inúmeros ritos funerários para os falecidos e testemunhado momentos de alegria e tristeza perante separações e reencontros. Esta comovente biografia é baseada nos diários de Aoki e em várias outras referências.

Os agentes funerários estão bem cientes de como as pessoas procuram evitar tudo o que tenha a ver com a morte – distanciado da família e dos amigos, Aoki foi confrontado com os queixumes da sua esposa e com a discriminação social.

Sentindo–se inferior aos seus colegas, Aoki evita o contacto visual com os outros. No entanto, ele acaba por ver nisso uma oportunidade para enfrentar a morte, empenhando–se no seu trabalho funerário e lendo uma série de livros religiosos e filosóficos sobre a morte. Para ele, a morte é o começo e não o fim da luz, sendo que a vida e a morte, afinal de contas, se justapõem.

Como poeta, Shinmon Aoki escreve com elegância natural e delicadeza (possivelmente, também por mérito do tradutor), sendo que o livro contém muitos poemas expressivos compostos em momentos à beira da morte ou mediante a morte de uma pessoa amada. A obra, que se tornou um best–seller após a sua publicação, foi adaptada para o cinema, tendo o filme sido distinguido com vários prémios. No
último capítulo, o autor partilha os seus sentimentos após ter alcançado a fama sem grande entusiasmo. Afinal de contas, um homem que compreende a vida e a morte possui invariavelmente uma sabedoria invulgar.

Diários de um Agente Funerário

Data de Publicação:2009

Coffinman: The Journal of a Buddhist Mortician

▸ Coffinman: The Journal of a Buddhist Mortician

Autor:Shinmon Aoki

Tradutor:Wayne S. Yokoyama

Editora:Buddhist Education Center

Data de Publicação:2002

Um Livro de Luto

Na sequência da morte de Chu Hsi–ning, um célebre escritor de Taiwan, a sua segunda filha, Chu Tien–hsin, escreveu em sua memória, afirmando no prefácio que este é “um livro de luto”, uma concretização da sua angústia devido à ausência do pai e da sua expiação por tê–lo contradito continuamente ao longo de 40 anos. A sua morte fê–la sentir–se como uma andarilha vazia, errando sem raízes pelo mundo.

Chu Tien–hsin escreve num estilo marcado pela profundidade e pela observação perspicaz, descrevendo a morte com grande detalhe e expressividade. Chu escreve sobre o seu sonho da viagem do seu pai através de ruínas romanas e da sua aventura no túmulo do faraó, discorrendo ainda sobre a separação imaginada da alma do corpo e sobre as viagens da alma pelo universo. Na sua escrita, a grandeza da
civilização é usada para exaltar a pequenez da vida. Este é um livro de memórias sobre a relação entre um pai e a sua filha, assemelhando–se, em parte, a um relato de viagens.
As pessoas sentem uma perda e são incapazes de descrever os seus sentimentos quando os seus entes queridos morrem. Chu Tien–hsin descreve a estrada da morte a partir da sua imaginação no tom de uma literata, aludindo a um comboio sem condutor a entrar num túnel escuro que se fecha perante os gritos de parentes e amigos. A poesia era provavelmente o único género literário capaz de retratar o sofrimento perante a morte de uma forma tão melancólica, sendo que os seis excelentes ensaios de Chu denotam a influência destas características.

Data de Publicação:2000

Informações sobre a Morte

Bunpei Yorifui usa imagens intrigantes para registar informação sobre a morte, na esperança de oferecer um guia aos leitores que os ajude a preparar-se para a morte. ( Informações fornecidas pela Editora )

O livro é esclarecedor. Um jovem ilustrador que nunca confrontou a morte pretende explorar este tabu social. No livro, o artista apresenta a morte através de ilustrações com base em informações obtidas ao longo de mais de dois anos. A obra é tão rica a nível de conteúdo que poderia ser considerada uma
enciclopédia sobre a morte dos seres humanos.

Num capítulo que aborda a noção de morte em diferentes culturas étnicas, por exemplo, encontramos imagens budistas de reencarnação, imagens cristãs do céu e do inferno, bem como transformações póstumas de seres humanos em pássaros e borboletas, típicas de outras crenças étnicas. Podemos ainda encontrar ilustrações com dados relativos à esperança média de vida das populações de diferentes países e uma análise das causas de morte no Japão. Por outro lado, o livro regista a morte lendária de celebridades históricas, incluindo o suicídio de Adolf Hitler, o hara–kiri de Yukio Mishima e a morte na fogueira de Joana d’Arc (Jeanne d’Arc).

Humorístico e espirituoso, este livro não foi criado para fins de entretenimento.

Com sinceridade, o autor refere que apenas a realização de que a morte pode acontecer a qualquer momento permite às pessoas fazerem os devidos ajustes ao seu estilo de vida, em vez de entrarem em pânico à última da hora. O livro demonstra igualmente que, como sempre, o deus da morte pode aparecer a qualquer momento e em qualquer lugar. Sendo a morte inevitável, é bom que
nos preparemos para ela.

Informações sobre a Morte

Data de Publicação:2010

A Perspectiva das Crianças

Se os adultos não têm uma ideia clara da verdade sobre a morte, então para as crianças é ainda mais difícil enfrentar uma morte inesperada. Como resultado, surgiram vários livros ilustrados sobre o tema, permitindo às crianças compreenderem o que acontece quando se perde um ente querido. Nesta história, uma criança chora pela morte do seu avô devido a uma paragem cardíaca. Para animar o rapaz, o seu pai diz– lhe que o avô regressará à terra, enquanto a sua mãe opta por lhe dizer que o avô se transformará num anjo. Mas a criança não vê mais nada a não ser o fantasma do seu avô.

Determinado a honrar os desejos não realizados do seu avô, a criança vai todas as noites em busca destes na companhia do fantasma. Apenas no final é que o rapaz se apercebe que o seu avô pretendia apenas despedir–se dele. Os dois abraçam–se com força antes do fantasma partir. É na realidade uma mensagem para a criança abandonar a sua tristeza.

Os adultos devem ensinar as crianças sobre a vida e a morte, em vez de os mimar com histórias fantasiosas. Explicar a morte com seriedade às crianças permitir–lhes–á aprender a valorizar a vida e as suas relações com os outros. Vamos todos aprender a viver no presente nesta edição dedicada à morte.

Data de Publicação:2009