A Cidade da Impressão

Lee Shuk Yee (Stella) é uma investigadora de livros raros em línguas estrangeiras, ao serviço da Biblioteca Central de Macau. No interior do seu gabinete, na Biblioteca do Edifício do IACM, encontra-se um tesouro de livros raros em línguas estrangeiras, datando desde o século XVII a meados do século XX, incluindo livros sobre estudos chineses, literatura histórica sobre os portugueses em África e no Extremo Oriente, bem como jornais portugueses do século XIX ao século XX.
Stella Lee doutorou-se em literatura e arte pela Universidade de Jinan, Guangzhou, dominando várias línguas, incluindo chinês, inglês, francês e português. Stella preserva estas colecções antigas com grande cuidado, usando luvas à prova de poeira sempre que lê um destes livros. Para ela, estes jornais antigos constituem um testemunho do período glorioso da tecnologia da prensa de tipos móveis de metal em Macau.
A impressão tradicional de tipos móveis envolvia blocos de impressão com caracteres ou imagens virados ao contrário. Os caracteres ou imagens talhados em relevo no bloco de impressão eram cobertos de tinta, podendo assim ser impressos em objectos. Após se difundir pela Europa, a “prensa de tipos móveis” chinesa foi reinventada por Johannes Gutenberg, o qual desenvolveu então a prensa de tipos móveis de metal.

Contributo Macaense
Em 1588, o jesuíta italiano Alessandro Valignano imprimiu o primeiro livro em latim sobre educação cristã em Macau, intitulado Christiani Pueri Institutio, tendo a indústria da impressão de Macau começado a prosperar apenas a partir de inícios do século XIX, após a chegada do evangelista anglo-escocês Robert Morrison à China, devido ao enorme contributo dos macaenses.
Durante o período em que esteve ao serviço da Companhia Britânica das Índias Orientais, Robert Morrison precisou de empregar alguns chineses para esculpir caracteres chineses para os seus dicionários, mas sendo que os tipógrafos chineses eram frequentemente presos pelo governo chinês, Morrison viu-se obrigado a empregar tipógrafos portugueses. “As Canton Consultations de 1816-1817 referem que a empresa começou por contratar um macaense, G. J. Steyn, para aprender a técnica da talha de tipos móveis, tendo posteriormente contratado mais portugueses para colaborar no trabalho de impressão”, referiu Stella.
A Abelha da China, um jornal semanal português criado em 1822, constituiu o primeiro jornal estrangeiro publicado por estrangeiros na China, sendo a sua colecção a mais antiga da Biblioteca do Edifício do IACM. Segundo Stella, “as pessoas pensam que A Abelha da China era um jornal privado, mas isso não é verdade. De acordo com as normas da imprensa da época, as tipografias imprimiam os seus nomes no canto inferior direito da última página. No jornal A Abelha da China, pode ler-se “Na Typographia do Governo”, o que significa “Impresso pela Imprensa Oficial”, pelo que o seu conteúdo consistia, essencialmente, em avisos e decretos do governo, tal como acontece nos actuais boletins oficiais.

Tipografias Macaenses 
Por um lado, enquanto os macaenses geriam a tipografia da Companhia Britânica das Índias Orientais, alguns macaenses promoviam, através de casamentos mistos, a tecnologia da prensa de tipos móveis, abrindo um grande número de tipografias. Dada a instabilidade do ambiente político da época em Portugal e a consequente repressão da imprensa em Macau, a indústria da impressão dos macaenses começou a disseminar-se por Cantão e Hong Kong, difundindo a tecnologia da prensa de tipos móveis de metal para além de Macau.
O macaense Nicolau Tolentino Fernando estabeleceu a Tipografia Mercantil em 1855, a qual imprimia não só publicações oficiais do Governo de Macau, como também as versões chinesa e portuguesa do Echo Macaense, as quais foram posteriormente distribuídas pelas principais províncias e cidades costeiras da China, Hong Kong, Singapura e S. Francisco. Um outro macaense, Delfino Noronha, e a sua família mantiveram uma estreita colaboração com o governo e empresários britânicos, estabelecendo filiais da sua tipografia, Noronha & Co., em Hong Kong, Xangai e Singapura. O ilustre historiador português de Macau, José Pedro Braga, era neto de Delfino Noronha.
Actualmente, os vestígios da próspera indústria da impressão de Macau podem ainda ser observados por toda a parte no interior da Biblioteca do Edifício do IACM.


// Bloco de texto composto.


// Impresso tipográfico em chinês, inglês e português.


// Oficina de impressão na Imprensa Oficial de Macau nos anos 50.


// Um impresso do século XX revelando a marca de água do fabricante de papel vista em contraluz.


// Echo Macaense, o primeiro jornal bilingue chinês-português impresso em Macau.


// Tem de fazer uma matriz de cobre (à esquerda) para fundir o tipo movél de chumbo (à direita).