A Literatura da II Guerra Mundial

Este ano marca o 70o  aniversário do fim da II Guerra Mundial. A guerra de oito anos entre a China e o Japão terminou finalmente no dia 15 de Agosto de 1945 com o anúncio da rendição do exército japonês. Porém, na altura cenas sinistras com almas desoladas e grande devastação eram comuns em todo o lado. Por isso, devemos ler literatura sobre a guerra não para promover a hostilidade nacional e os conflitos familiares mas sim para alertar as pessoas de todas as esferas da sociedade que o ódio apenas resultará em mais miséria e desgraça.

A história da Guerra Sino-Japonesa que lemos previamente é maioritariamente sobre o confronto entre a China e o Japão. No entanto, a verdade é que existiam pessoas de outras nacionalidades nos campos de batalha da China. Os livros que apresentamos sobre o tema especial desta edição retratam um missionário americano em Nanjing, uma família inglesa na Concessão Internacional de Xangai, um cônsul britânico, um refugiado em Macau e uma família euro-asiática em Hong Kong durante a Guerra.

Independentemente da nossa etnia e nacionalidade, todos desejamos a paz mundial. 

Elegia de Nanjing

A invasão japonesa da China é uma mancha na história da China, em particular, depois da queda de Nanjing em 1937, o exército japonês procedeu a violações, pilhagens e assassínios arbitrários na cidade. O início de Nanjing Requiem retrata uma cena patética de edifícios demolidos e cadáveres. O colégio Ginling fundado pela igreja cristã, dos EUA, em Nanjing evitou males maiores infligidos pelo exército japonês pois estava situada numa zona segura disponibilizada pelo consulado de um país estrangeiro e os seus professores eram todos estrangeiros. 

No entanto, Minnie Vautrin, a directora interina do Colégio Ginling tinha demasiada simpatia pelas vítimas chinesas para se manter indiferente. Ela transformou a escola num campo de refugiados temporário e abrigou mais de 10.000 indivíduos carentes. Por vezes, quando as forças militares japonesas utilizavam várias desculpas para intimidar a escola, ela teve que lhes resistir pessoalmente. Além disso, ela também participou em negociações com outros estrangeiros, como o comerciante alemão John Rabe, que ajudou a salvar muitos chineses.

 O autor sino-americano Ha Jin é excelente a escrever histórias sobre o povo chinês em inglês e já venceu numerosos prémios literários internacionais. Ele escreveu o romance Nanjing Requiem com base em textos e biografias históricas. Este escritor chinês que emigrou para os Estados Unidos depois dos protestos da Praça Tiananmen de 1989, registou no seu livro a selvajaria do exército japonês sem adornos de sentimentos étnicos, analisando como a luta entre o Partido Nacionalista e o Partido Comunista chineses contribuiu para o agravamento da situação de desordem do povo chinês.

Nanjing Requiem

▸ Nanjing Requiem

Autor:Ha Jin

Editora:Pantheon Books (New York)

Data de Publicação:2011

O Içar da Bandeira Britânica


//Em Macau, John Reeves salvou muitos refugiados de Hong Kong de várias nacionalidades durante a II Grande Guerra Mundial .(Fornecido por Hong Kong University Press)

Em 1941, Hong Kong caiu nas mãos dos japoneses. Macau, sendo uma colónia portuguesa, manteve-se neutro durante a guerra e a bandeira britânica ainda podia ser hasteada no Consulado Britânico de Macau, apesar de mais nenhuma bandeira britânica estar içada em milhares de quilómetros. Além disso, o Consulado Britânico de Macau era próximo do Consulado Japonês, levando a comunicação social a descrevê-la como ‘A Bandeira Solitária’ – que é também o título das memórias de John Reeves, cônsul britânico em Macau naquela altura.

Não era só o consulado que estava isolado, pois o próprio John Reeves ficou privado da sua família: a sua mulher chegou a Hong Kong e não consegui regressar a Macau após a queda da cidade e ela foi obrigada a refugiar-se no St. Stephen’s College em Hong Kong como muitos outros refugiados. Mesmo assim e perante o bloqueio japonês e o elevado preço dos bens essenciais, Reeves proporcionou abrigo, comida e assistência médica aos refugiados de Hong Kong em Macau.

Apesar da ordem cronológica confusa e a falta de uma narrativa requintada, esta biografia regista claramente a vida das pessoas de Macau durante a invasão japonesa da China bem como a miséria dos refugiados em Macau. No final do livro encontra-se uma compilação de notícias da comunicação social sobre a acção de Macau no acolhimento de refugiados. Reeves escreveu as suas memórias quando foi destacado em Roma depois da guerra, no entanto a publicação das mesmas esteve interditada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros britânico até ao ano passado.  

The Lone Flag: Memoir of the British Consul in Macao during World War II

▸ The Lone Flag: Memoir of the British Consul in Macao during World War II

Autor:John Pownall Reeves

Editora:Hong Kong University Press (Hong Kong)

Data de Publicação:2014

Procura dos Pais em Shanghai


//Um das várias invasões japonesas da China, o Massacre de Nanjing é lembrado como a mais terrível atrocidade. (Fornecido por Huanyi Brothers International Limited)

When We Were Orphans é uma história de detectives que se passa no contexto da invasão japonesa da China com um detective privado britânico que tinha vivido na Concessão Internacional de Shanghai durante a sua infância – numa altura em que profissionais estrangeiros se tinham reunido em Shanghai. No entanto, a dada altura os seus pais desapareceram e um tio seu mandou-o de volta para a Grã-Bretanha. Depois de crescido, ele decidiu ir à procura dos seus pais em Shanghai, precisamente quando o exército japonês invadiu a China. Entretanto, um dos seus amigos de infância tornou-se membro da força militar japonesa. Eventualmente, ele descobre que o desaparecimento dos seus pais está relacionado com a luta de interesses relativamente ao ópio entre os senhores da guerra e as forças estrangeiras.

As histórias de detectives normalmente centram-se num enredo de suspense, mas o autor Kazuo Ishiguro centra-se mais no desenvolvimento dos personagens, incluindo a verdadeira amizade entre o protagonista e o seu conhecido japonês, a forma altruísta como a mãe protege o seu filho – e até mesmo  o  incomensurável amor entre o protagonista e a sua amante é comovente. Macau também tem um papel neste livro: no início a protagonista feminina convida o protagonista masculino a fugir de Shanghai para Macau, mas no final apenas ela consegue fugir não obstante a saudade diária dos amantes.

A descrição dos cadáveres espalhados pelos campos de batalha que encontramos em Nanjing Requiem não existe em When We Were Orphans. Mas não pensem que Ishiguro está a desculpabilizar o exército japonês: a Concessão Internacional de Shanghai sobreviveu à invasão japonesa na guerra. Ishiguro não carrega consigo nenhum fardo nacional, pois ele emigrou com os seus pais para o Reino Unido quando tinha cinco anos de idade. As obras de Ishiguro já venceram uma série de prémios e When We Were Orphans foi indicado para o MAN Booker Prize, um importante prêmio literário britânico. 

When We Were Orphans

▸ When We Were Orphans

Autor:Kazuo Ishiguro

Editora:Faber and Faber (London)

Data de Publicação:2002

Publication year: 2000

A Participação da Família Ho na Guerra Contra o Japão


// Não só os chineses e japoneses, mas também os expatriados que viviam na China como John Rabe foram afectados pela invasão japonesa da China.(Fornecido por Huanyi Brothers International Limited)


// Os membros da família participam na cerimónia de casamento e Victoria Ho Tung (filha mais velha de Robert Ho Tung) e Lo Man Kam. Mas a família de Ho estava incompleta devido à invasão japonesa da China. (Provided by Joint Publishing (Hong Kong))

Rigorosamente, este livro não é sobre a II Guerra Mundial mas sim sobre a família de Sir Robert Ho-tung, uma das quatro famílias mais proeminentes de Hong Kong. As suas experiências durante a guerra foram particularmente amargas: um dos seus membros viu as suas pernas espedaçadas por uma bomba, enquanto outro foi preso; Jean Gittens visitava o Campo de Internamento de Stanley durante a invasão japonesa da China e traduzia para uma organização clandestina do exército britânico enquanto Eva Ho-tung entrou para a Cruz Vermelha para cuidar dos feridos da linha da frente.

Enquanto os macaenses tiveram grande influência ao longo da história de Macau, a família Ho-tung, que é euro-asiática, gozava de grande prestígio em Hong Kong. A sua influência estendia-se até Macau, pois o magnata do jogo Stanley Ho também é membro da família Ho-tung enquanto Lady Ho-tung operava uma escola em Macau. Na queda de Hong Kong, Robert Ho-tung encontrava-se a passar férias em Macau após o banquete dos 80° aniversário, o que lhe permitiu escapar à catástrofe. Ler a história da família Ho-tung equivale a uma análise dos marcos mais importantes no desenvolvimento de Hong Kong e Macau.

A família Ho-tung é uma família de estudiosos e vários membros da sua família escreveram memórias nos seus últimos anos. Victor Zheng e Wong Siu-Lun estudaram a história das empresas familiares de Hong Kong e leram muitas memórias dos membros da família, bem como documentos originais e arquivos para assim poderem recontar a história das mulheres da família Ho-tung ao longo de três gerações. O que mais impressiona neste livro é a queda de Hong Kong ao longo de três anos e oito meses: as guerras resultam em países arruinados e famílias destruídas, por isso não deixem o ódio passar para a próxima geração. 

何家女子: 三代婦女傳奇

▸ 何家女子: 三代婦女傳奇

Autor:鄭宏泰、黃紹倫

Editora:三聯書店(香港)

Data de Publicação:2010

Macau e a Segunda Guerra Mundial. Algumas notas e perspectivas

Ainda hoje subsistem muitas dúvidas acerca do facto de Macau se ter mantido neutral durante a segunda guerra mundial e em particular no quadro da guerra sino-japonesa. O facto alimentou extravagantes teorias justificativas, como seja aquela que atribui um papel decisivo ao Brasil que teria ameaçado o Japão com a expulsão de todos os cidadãos japoneses a viver em território brasileiro. Nada mais peregrino, como ideia nuclear, uma vez que a maior parte dos cidadãos oriundos do Império do Sol Nascente a viver na ex-colónia portuguesa possuíam já a nacionalidade brasileira e estavam absolutamente integrados. Outra teoria aponta para a possibilidade de que teria havido um acordo secreto entre Portugal e o Japão no sentido deste respeitar o estatuto de neutralidade conseguido por Salazar relativamente ao grande conflito. É bem possível, mas não se sabe nada sobre o assunto. Para destruir esta análise os historiadores adiantam que se assim fosse os japoneses não teriam invadido Timor. O argumento peca por falta de inteligência ou de informação básica, pois é sabido que o Japão só invade Timor depois deste território ter sido tomado por um exército conjunto de trezentos e cinquenta holandeses e australianos. A partir desse momento o território perde pelo menos simbolicamente a soberania portuguesa o que deixa os japoneses de mãos livres. Claro que as autoridades holandesas e australianas invocaram a invasão como medida cautelar para proteger quer o Timor holandês quer o Norte da Austrália, mas ao ocuparem também o Timor português abriram caminho à possibilidade da invasão de todo o Timor pelo Japão. 

Mas há um dado muito relevante que demonstra o carácter amistoso das relações luso-nipónicos e que foi a instalação de um consulado japonês em território de Macau. Esse facto parece confirmar a intenção dos nipónicos de não ocupar Macau, o que de resto veio a suceder. Mas as coisas estiveram escuras pois o cônsul japonês em Macau Yasumitsu Fukui foi logo assassinado, seguramente a mando de nacionalistas chineses. O Japão limitou-se contudo a exigir das autoridades portuguesas um pedido de desculpas e tudo acabou enfim por ficar por isso mesmo, isto é em águas de bacalhau. 

Como podemos imaginar daria pano para mangas o desenvolvimento deste tema, mas a dimensão deste texto não o permite. Permito-me contudo assinalar as maiores consequências de todo este fenómeno que como se sabe incendiou o mundo e em particular toda a região do sudoeste asiático. A primeira grande consequência e talvez mesmo a mais importante e duradoura foi a explosão demográfica de Macau que num espaço de tempo muitíssimo curto passou de uma população de aproximadamente 100.000 almas para qualquer coisa como 500.000. Este fenómeno é indissociável do fluxo de refugiados chineses oriundos sobretudo de Hong Kong e Cantão entretanto invadidos e ocupados pelo exército japonês. Mas como os japoneses invadiram praticamente todo o litoral levantino da China desde Cantão até Tianjin passando por Shanghai, há neste fluxo brutal para Macau cidadãos oriundos de todos esses lugares e não apenas cidadãos chineses mas inclusivamente cidadãos portugueses que há muito mercadejavam por essas paragens.   
O aumento da população de Macau originou uma grave carência de alimentos o que veio a provocar situações dramáticas de subsistência. O Governo de Macau, representado pelo macaense Pedro José Lobo, procedeu à nacionalização de todos os bens alimentares existentes nos estabelecimentos e armazéns privados de Macau. Mas isso não foi suficiente para resolver o problema e a verdade é que a fome ocorreu mesmo e em larga escala. Por esse motivo a população de Macau voltou a diminuir devido a um fluxo inverso de chineses que após a guerra regressaram às suas aldeias. Contudo a população jamais voltou a aproximar-se dos números anteriores. 
No seio da comunidade chinesa e das autoridades da República Popular da China a tese do acordo secreto entre japoneses e portugueses fez caminho, de tal modo que depois da guerra logo em 1946 rolou a cabeça do governador Gabriel Maurício Teixeira, considerado o maior responsável por esse facto. Porém a verdade é que foi esse eventual acordo que manteve Macau ao abrigo do conflito sangrento que devastou a região. 


// No filme, John Rabe, fugitivos de diferentes países na zona e segurança de Nanjing ajudaram uns aos outros, reflectindo o lado nobre da humanidade durante as atrocidades da guerra.(Fornecido por Huanyi Brothers International Limited)

Macau 1937-1945 Os Anos da Guerra

▸ Macau 1937-1945 Os Anos da Guerra

Autor:Botas, João F. O.

Editora:Instituto Internacional de Macau

Data de Publicação:2012