Patrick Modiano: Os Meticulosos e Persistentes Trabalhos da Memória. Manuel Afonso Costa

Poeta, ensaísta e professor universitário.

Patrick Modiano: Os Meticulosos e Persistentes Trabalhos da Memória.

Patrick Modiano, nasceu num bairro nos arredores de Paris, Boulogne-Billancourt, em 1945. Fez estudos em Annecy e publicou o seu primeiro livro de prosa, La Place de l’Étoile, em 1968. Recebeu o Prémio Goncourt pela Rue des Boutiques Obscures em 1978. Colaborou com o cineasta francês Louis Malle na elaboração do guião do filme Lacombe Lucien. Além disso destaco na sua produção romanesca os romances ou novelas: La Ronde de Nuit em 1969, L’ Horizont em 2010, Les Boulevards de Ceinture em 1972 e Villa Triste em 1975. Saliento ainda o livro com entrevistas de Patrik Modiano a Emmanuel Berl. A 9 de Outubro de 2014, a obra de Modiano merece a atribuição do Prémio Nobel da Literatura, e a razão invocada pela Academia Sueca enfatiza a arte da memória através da qual ele desvendou o tempo da ocupação alemã, assim como o seu sentido para evocar, através do exercício da memória, destinos humanos de outro modo inapreensíveis. Patrick Modiano escreveu trinta romances e a sua obra está traduzida em trinta e seis línguas. 

Vamos começar por algumas considerações gerais e hoje em dia constituídas em lugares comuns da obra de Patrick Modiano. Antes do mais que a sua voz é suave, discreta, ou seja aquilo que se convencionou chamar a petite musique do autor. Não há empolamento nem excessos dramáticos e contudo os seus temas quase que o exigem: o tema do holocausto e da ocupação alemã. Patrick Modiano obvia essa possibilidade de pathos situando os seus romances na memória e na procura de uma identidade perdida. Cortou cedo com o pai, foi pouco acompanhado pela mãe, viria a perder o seu irmão mais novo, ainda cedo de mais também, o que nele simbolizou o fim da família. Desde cedo a vida de Modiano tem sido uma procura, porém uma procura tranquila, reflexiva, serena, afinal como a gestão da sua obra e da sua vida privada.

O romance, Na Rua das Lojas Escuras com o qual ganhou entretanto o prémio Goncourt, assenta na investigação de um detective chamado Guy Roland. O detective habituado provavelmente a investigar pegadas e sinais misteriosos, resolve após a morte do seu patrão investigar a sua própria vida, isto é o seu passado, ou seja no fim de contas a sua identidade, pois como resultado de uma doença com consequências amnésicas, nesta altura já com aproximadamente 15 anos decorridos, tinha perdido esse rasto. E vai descobrindo factos palpitantes, como o facto de ser, por exemplo de origem grega e judia e ter vivido em Paris sob o nome de Pedro McEvoy. Descobre também que viveu com um modelo francês chamado Denise Coudreuse e que no seu círculo de amigos constava uma dançarina americana de origem russa de nome Gay Orlow, entre outras figuras do meio artístico e não só, dos quais destaco Freddie Howard de Luz um inglês das Ilhas Maurícias que o nosso homem, ou seja o agora detective Guy Roland, resolve um dia procurar na Polinésia francesa para onde aquele havia emigrado. Mas ao chegar a Bora Bora descobre que o antigo amigo já não existe e perde-se assim a linha de continuidade com o seu passado. 

Resta agora a Guy Roland apenas um outro caminho, uma morada na Rua das Lojas Escuras na cidade de Roma, morada essa concretamente situada no gueto judeu da Cidade Eterna, onde ele terá vivido nos anos trinta. E é para lá que vai e descobre o que queria e não queria descobrir. Trata-se afinal de um trabalho sobre o passado e a memória, como acontece muitas vezes na obra de Patrick Modiano.

Na novela O Horizonte, Bosmans e Margaret são o casal, situado no passado, Bosmans tem agora sessentas e é escritor e recupera através dessa memória amorosa a matéria sombria, quer dizer aquilo que permaneceu sombrio através do tempo. Em todas as épocas persistem na sua vida e provavelmente na vida de todas as pessoas zonas sombrias. Que sombras eram essas? Ou que sombras são essas? Provavelmente Modiano procura as duas, as que foram e as que são. Ao recuperar o passado, percebe-se que há zonas obscuras, nomes, memórias, encontros breves, rostos, etc. mas que já as havia nesse tempo, ou seja ao rememorar o autor apercebe-se de factos vividos de forma inconsequente, e aspectos da realidade que se esquivaram antes e que ainda se esquivam agora, mas de modos diferentes. É mais uma vez um trabalho centrado na memória e na recuperação do tempo perdido. O sentimento de que a realidade sempre se apresentou envolta numa luz pouco transparente, pouco clara. Mas é sempre assim, muita coisa escapa no acto de ser vivida, só que o autor procura com denodo uma certa forma de transparência. Porém a transparência não existe e jamais existirá daí que o trabalho para a devolver, ou seja no sentido de a recuperar, tem qualquer coisa de ingénuo e ilusório e apesar disso justifica-se e compreende-se. Modiano é um autor sereno, a sua procura contém uma resignação anunciada face ao fracasso. Mas vale a pena procurar, procurar sempre mesmo sabendo que a verdade absoluta e transparente nunca se encontrará. Afinal é este paradoxo que faz com que Patrick Modiano tenha escrito o mesmo livro tantas vezes como ele mesmo observa, serenamente mais uma vez.  

Nesta perspectiva de procura do tempo perdido, que em Proust era mais passado do que perdido, eu diria que agora é sobretudo revoluto, no sentido do vocábulo francês révolu, para ser mais justo com o autor. Nesta perspectiva dizia, Patrick Modiano aparece-nos como um Marcel Proust da contemporaneidade, correspondendo a um tempo da modernidade que é já tardo moderno. Escusando-me pelo facto de que não fundamento a consistência desta tardo modernidade, onde também está implícita uma recusa de utilização do conceito de pós-modernidade, o que eu quero dizer é que a procura de Patrick Modiano é menos ingénua e mais desencantada. Marcel Proust ainda podia acreditar numa espécie de recuperação, em quanto que Modiano parece que apenas lhe basta proceder a alguns esclarecimentos circunstanciais uma vez que o vivido não pode nunca ser recuperado enquanto vivido, na sua essência ele é mesmo inapelavelmente révolu. E nesse sentido perdido para sempre.  

O horizonte

▸ O horizonte

Autor:Patrick Modiano;

Tradutor:Isabel St. Aubyn

Editora:

Data de Publicação:2011

Na Rua das Lojas Escuras

▸ Na Rua das Lojas Escuras

Autor:Patrick Modiano

Tradutor:Ana Luisa Faria e Miguel Serras Pereira

Editora:

Data de Publicação:1987