Protectores de Livros de Coloane

Em Coloane, junto ao dique com vista para Hengqin, encontra-se um edifício português de estilo simples e elegante, no interior do qual existe um acervo de quase dez mil livros. Trata-se da Biblioteca de Coloane, fundada há mais de 30 anos, cujo edifício foi recentemente restaurado, atraindo a atenção de todos os transeuntes.
Leong Kam San, administrador da Biblioteca de Coloane, trabalha aí há 12 anos, tendo observado o crescimento da mangueira que se encontra junto do edifício, tendo sobrevivido à fúria de dois tufões e testemunhado o processo de informatização do modo de requisição de livros.


//Todos os detalhes da arquitectura personificam o estilo português. 


//Naquele tempo a mangueira chegava apenas aos joelhos de Leong Kam San, mas agora é mais alta que a biblioteca. 


//A arquitectura deste edifício tem uma história de 100 anos. Antes era uma escola pública e foi posteriormente, em 1983, convertido numa biblioteca.

Nas traseiras da Biblioteca de Coloane existe uma mangueira, cuja altura ultrapassa a altura do edifício. Leong Kam San levou-nos a vê-la, explicando por gestos que quando aqui chegou pela primeira vez, a árvore lhe dava apenas pelos joelhos.
Leong começou a trabalhar na Biblioteca de Coloane em 2002. Com uma área relativamente pequena, o edifício contém uma colecção de aproximadamente dez mil volumes, com um total de 22 lugares sentados. É aqui que Leong trabalha há 12 anos e onde construiu também o seu pequeno mundo.
Leong não vive em Coloane, mas está bem familiarizado com as ruas locais, saudando vários residentes, seus vizinhos, durante a nossa entrevista. “Nós abrimos à uma da tarde, mas ao meio-dia e tal já há pessoas lá fora à espera para entrar. Algumas ficam o dia inteiro a ler na biblioteca.” Na opinião de Leong, a Biblioteca de Coloane constitui uma parte muito importante do entretenimento diário dos residentes locais. Por vezes, após passear o seu cão, há leitores que aqui vêm ler o jornal, enquanto o seu cão aguarda obedientemente junto à porta. Este estilo de vida centrado na biblioteca, é provavelmente possível apenas no ambiente pacato de Coloane.

Sobrevivendo aos Grandes Tufões

Leong Kam San, hoje com 51 anos, começou a trabalhar como bibliotecário na década de 1980, durante a administração portuguesa, sendo contratado, entre outros funcionários públicos, para expandir o acervo de livros em chinês. Leong recorda esses tempos em que o Instituto Cultural - em chinês, “Man Fa Kok” - se chamava ainda “Man Fa Hok Ui” e em que o acervo da Biblioteca Central era constituído essencialmente por livros estrangeiros. Posteriormente, Leong viria ainda a ser responsável pela Biblioteca de Mong-Há e pela Biblioteca Itinerante.
Em 2002, Leong Kam San começou a trabalhar na Biblioteca de Coloane, cujo edifício foi construído em 1911 e onde esteve anteriormente instalada uma escola municipal. O edifício viria, mais tarde, a servir como residência e como instalações dos Serviços de Saúde, tendo sido convertido em biblioteca em 1983.
A Biblioteca de Coloane foi construída ao lado do dique, pelo que Leong não só é responsável pela requisição e devolução de livros, como também é obrigado a enfrentar as intempéries climáticas. “Estamos junto ao mar. Na verdade, quando a maré está alta, a água chega até à rua”, refere Leong. O Tufão Hagupit de 2008 foi o mais marcante. “Um BMW, que estava estacionado junto ao dique, foi levado pela cheia até à praça e as árvores da rua caíram todas.” A água chegou também à biblioteca, inundando os livros da primeira prateleira das estantes, os quais Leong teve de secar, contar e examinar, para verificar a extensão dos danos.

Mestre de Karaté

Nunca pensei que um bibliotecário tivesse de enfrentar o vento e a chuva, assim com nunca imaginei que este senhor amigo dos livros fosse também um mestre de karaté. Leong Kam San representou Macau nos Jogos Asiáticos de Hiroshima, em 1994, e nos Jogos Asiáticos de Banguecoque, em 1998, ensinando, actualmente, karaté em clubes desportivos nos seus tempos livres.
No interior desta antiga e pitoresca biblioteca, na tranquila Vila de Coloane, esconde-se um bibliotecário versado em literatura e artes marciais. Ao sentir o aroma dos livros neste edifício, sinto que viajei no tempo até ao mundo dos romances de wuxia (artes marciais).
Na era da Internet, podemos aceder ao acervo da biblioteca online, ou requisitar livros de outras bibliotecas, mas, antigamente, os serviços de requisição e devolução de livros eram prestados, manualmente, por Leong Kam San, o qual se lembra de haver na biblioteca um “livro grande” e um “livro pequeno”: quando um livro novo era adquirido, Leong tinha de registar à mão os respectivos dados no “livro grande”, o qual constituía o catálogo interno, tendo igualmente de registar os dados à mão no “livro pequeno”, ou seja, no inventário da biblioteca, destinado à consulta pelos leitores.

Da solidão ao sentimento de pertença

Antigamente, os procedimentos de requisição de livros eram complicados, mas ninguém se queixava. Leong Kam San recorda que onde quer que a antiga Biblioteca Itinerante passasse, havia sempre uma fila de leitores à espera para requisitar livros.
Hoje em dia, há cada vez mais gente a visitar Coloane, mas a biblioteca preserva ainda um ambiente de leitura de grande simplicidade. Leong Kam San admite que sentiu alguma solidão quando veio trabalhar sozinho para a biblioteca, mas, aos poucos, foi-se habituando, tendo decidido fazer sua a missão de promover a leitura em Coloane. “Digamos que aqui sou eu que faço tudo; sou eu que tenho de organizar e classificar os livros,” refere Leong.
À pergunta: “Se pudesse optar por trabalhar noutra biblioteca, deixaria Coloane?”, Leong responde com um sorriso “Provavelmente não. Já lá vão mais de dez anos; sinto que pertenço aqui.”